terça-feira, 26 de maio de 2009

Especial - Capa

A verdade nos degraus do podium

A necessidade de vencer, de compensar anos de treinamento pesado e de enfrentar a competição, torna o assunto dopping um fantasma na vida dos atletas. Mas, muitas vezes, os resultados do antidopping surpreendem treinadores e atletas, que se sentem injustiçados.
O uso de anabolizantes e substâncias para aumentar o desempenho em atividades físicas, princi-palmente em atletas, é um assunto que volta e meia aparece nos jornais. Em Ribeirão Preto existe o caso da nadadora Renata Burgos, um dos destaques do Troféu Open em 2006 por vencer 50 metros livres e por conquistar o índice para o Mundial de Melbourne. Às vésperas do Pan Americano de 2007, ela sofreu suspensão de dois anos por ser encontrado no exame de antidoping a substância Stanozolol em seu suplemento. Mesmo com o exame positivo, ela negou saber da existência desta substância nos suplementos que ingeria. "Teoricamente, o Stanozolol apareceu no exame, mas no rótulo do produto não constava essa substância. Já aconteceu de alguns suplementos serem tirados de circulação por estarem contaminados, só que no meu caso não foi levado em consideração isso. O exame foi feito em Vitória, na competição em que fiz o índice do mundial. Recebi a notícia um tempo depois porque mandaram as amostras para o Canadá, e a resposta demorou mais ou menos um mês. Atrasou meus planos, mas em 2012, com certeza vou estar pronta para competir", afirma Renata.


Renata Burgos
Falar do ser humano, do atleta, da necessidade de obter a glória, até onde vai a vaidade humana e até que ponto as competições olímpicas são concorridas lealmente é que torna o assunto complexo. Lista de prejuízos Há alguns anos, o presidente da Academia Nacional de Medicina Esportiva dos Estados Unidos, Bob Goldman, realizou uma pesquisa questionando atletas sobre a possibilidade de tomarem uma certa substância proibida para aumentar seu rendimento físico e sem possibilidades de ela ser detectada no exame de antidopping. A resposta afirmativa foi maciça: de 198, apenas três disseram que não tomariam. Mas o que assusta é saber que mais da metade admitiu que se doparia mesmo sabendo que essa substância poderia levar à morte. Já Renan Rossin, 23 anos, não acha certo o uso de dopping. "Em minha opinião deveria haver competições justas, sem atletas que fazem uso de dopping. Sei que muita gente usa, tanto no nível brasileiro quanto no mundial. Dizem que quem não faz uso nunca subirá ao podium, mas não acho certo", afirma. Segundo o biomédico Sidnei Di Túlio, as substâncias mais comumente usadas no esporte são divididas em cinco classes: estimulantes, analgésicos narcóticos, agentes anabolizantes, diuréticos e os hormônios peptídicos. "As anfetaminas, cocaína, efedrina e a cafeína do grupo dos estimulantes são substâncias usadas para conseguir os mesmos efeitos da adrenalina tal como o aumento da excitação. Já a morfina, do grupo dos analgésicos, proporciona a diminuição da dor causada pelo esforço físico. Os agentes anabolizantes provocam aumento dos músculos. Os diuréticos são usados por atletas esportivos com a intenção de mascarar o dopping e os hormônios peptídicos aceleram o crescimento do corpo além de diminuir a sensação de dor", explica. Ele ressalta o perigo do uso destas substâncias. "A lista dos prejuízos é imensa e incompleta, pois, como não há controle, os atletas usam doses cavalares dessas drogas e podem surgir efeitos colaterais desconhecidos", alerta. Existem também efeitos secundários que são potencialmente prejudiciais ao organismo, segundo Sidinei. "Falta de apetite, arritmias cardíacas e palpitações, hipertensão arterial, alucinações e diminuição da sensação de fadiga, além de perda de equilíbrio e coordenação, náuseas, vômitos, insônia, depressão e diminuição da capacidade de concentração", enumera. O controle do dopping pode ser realizado pelo exame de sangue ou da urina, imediatamente após o término de uma competição para os atletas.
Pode-se dizer que o esporte profissional, hoje, transformou-se em um bom negócio. Segundo João Pessoa Guimarães, ex-nadador profissional, para ter patrocinadores ou receber uma bolsa, o atleta precisa ter um excelente desempenho e, muitas vezes, existem acordos entre atleta, família e entidade, que é um clube ou uma universidade que incentivam o uso dessas substâncias proibidas para chegar ao podium. Vitamina C e complemento alimentar João Guimarães, foi campeão paulista, campeão brasileiro e sul-americano, convocado para as Olimpíadas de Moscou, na década de 80. Ele conta que já conviveu com atletas que buscavam auxílio químico para aumentar a força ou suportar o treinamento. "Essa situação faz parte do atleta de alto nível. O detalhe faz muita diferença, como passar do quinto para o primeiro lugar num campeonato brasileiro. Na minha época, o dopping era coisa de criança, a gente tomava Cebion, ou Efinal, que eram apenas cápsulas de vitamina C e E, para aumentar a força, ou então Sustagen, para complementar a alimentação, nada que fosse injetável ou que mexesse com os hormônios, fígado ou pâncreas. Mas já existia a intenção de usar produtos químicos para levar vantagem em uma competição", recorda.
João Guimarães ex-nadador profissional
João Guimarães lembra de fatos históricos que contribuíram para estudos voltados ao desempenho de atletas. "Desde o começo, países como os EUA, antiga União Soviética e Alemanha Ocidental, direcionavam todas as pesquisas para as armas biológicas com a intenção de disseminar epidemias. Com o advento da televisão, as Olimpíadas passaram a ganhar grandes proporções e foi então que esses cientistas resolveram cuidar da fisiologia, do esforço, porque passou a ser sinônimo de superioridade de raça ao país que levasse o ouro", afirma. Ele diz que, daí para frente, a partir de 1945, começaram a ser desenvolvidas tecnologias para levar o atleta ao podium e que, principalmente nos paises comunistas, onde ninguém podia questionar nada, como Cuba, antiga Alemanha Oriental, União Soviética, os cientistas eram cobrados e obrigados a trabalhar nesses projetos. O tempo passou, as pesquisas avançaram e hoje existem drogas cada vez mais difíceis de serem detectadas no organismo. " O COI - Comitê Olímpico Internacional - e a Agência Mundial Anti Doping (Wada) não conseguem mais acompanhar a evolução dos laboratórios e dos cientistas dos países desenvolvidos. Nos Jogos Olímpicos de Verão de Pequim de 2008, devem surgir resultados e encontradas substâncias nos exames de antidoping que hoje ainda não são proibidas. O COI e a Wada vão testar, comprovar e proibir somente na próxima Olimpíada, pois não se pode proibir aquilo que não se conhece", explica. Guimarães diz que o processo para afastar um atleta com exame de antidopping positivo é demorado e implica em diversos processos até o afastamento, além de proporcionar aos cientistas chances de desenvolver cada vez mais drogas difíceis de serem denunciadas pelos exames. "Tendo o resultado em mãos, vem a contraprova, depois o julgamento, aí tem uma série de procedimentos que demoram vários meses. É difícil você suspender o atleta em uma competição próxima. Ele vai responder pelo uso indevido desse hormônio depois que já levou a medalha para casa. Vão caçar essa medalha e os direitos, resgatar os resultados, é muito complicado", revela. Ele exemplifica o caso das nadadoras chinesas para mostrar como ocorre a evolução do dopping entre os pesquisadores. "Desde que foi determinado que a China fosse a sede das Olimpíadas, a fiscalização começou a dar visitas incertas durante os treinos da equipe de natação. Em uma dessas visitas, pegaram seis meninas e as tiraram da competição. Isso proporciona aos cientistas e os treinadores, o desenvolvimento de formas melhores para que os competidores chineses não sejam pegos nos exames de antidopping". Em meio a tanta disputa desleal, o ex-nadador lembra que ainda existem atletas que conseguiram a vitória sem usar artifícios químicos. "Tivemos muitos atletas com resultados limpos como Fernando Scherer, Gustavo Borges, entre outros, que com muito treino, motivação e dedicação conseguiram chegar lá. Mas hoje é difícil chegar ao podium sem usar qualquer tipo de doping. Esse artifício vai fazer parte da vida dos atletas de alto nível, para sempre", lamenta.

"Era para sair o exame da contraprova primeiro e depois, a análise do suplemento, pois foi levantada a hipótese de que a substância estaria no suplemento, já que era importado e poderia ter a substância Stanozolol. Esses produtos, muitas vezes, vêm contaminados com certas substâncias. Só que eles fizeram a análise do suplemento antes, e depois a análise da contraprova. Na análise do suplemento, foi encontrado o Stanozolol. Fiquei dois anos afastada, não pude participar do Pan, nem das Olimpíadas de Pequim, e o último dia de afastamento será dia 14 de dezembro deste ano. Mas não gosto de falar muito sobre este assunto porque já passei por muitos problemas, não pude participar dos jogos que eu queria ir para fazer uma prova individual. Isso apenas atrasou meus planos. Tenho que pensar em melhorar lá pra frente, agora só quero esquecer o que foi, quem fez, o que fez, com quem fez, se teve algum culpado, quem foi. Quero só pensar em treinar pra começar no ano que vem já competindo bem. Vou começar com o torneio regional, e quero muito nadar o Mundial de natação em piscina curta, em Moscou. Só não sei se vai dar tempo de ser feito o índice. Hoje existe tanta tecnologia que não acredito que seja necessário fazer uso de dopping para chegar ao podium. Em muitos esportes, a gente vê acontecendo esse problema. Agora que existe um combate maior para o uso de dopping, e o pessoal está mais em cima, acaba aparecendo bastante coisa. O uso de dopping não é o caminho para ninguém, até porque o esporte é visto como uma coisa saudável. Não acho que as pessoas devem sair julgando e achar que todo mundo faz uso, não é bem por aí. Claro que precisa ter esse combate, mas tem muitas formas de se chegar a um bom resultado.". Renata Burgos, nadadora O treinador Christos Iakovou da seleção grega de halterofilismo renunciou ao cargo em abril deste ano, após ser indiciado pela Justiça por fornecer anabolizantes aos atletas de sua equipe. O esporte, que já levou medalhas das Olimpíadas à Grécia, pode ficar fora das competições de Pequim. Foram flagrados dez dos onze atletas da equipe do treinador nos exames de anti doping, e estão respondendo processos. (Fonte: Estadão) Tatyana Lysenko, russa, 23 anos, recordista na modalidade lançamento de martelo feminino, foi flagrada pelo uso de um bloqueador de hormônios proibido pelas regras da Agência Mundial Anti Doping (Wada) em um exame realizado fora de competição poucos dias depois de bater o recorde mundial da modalidade, há um ano. A Federação Internacional de Atletismo (Iaaf) anunciou em maio a suspensão da atleta por dois anos. Ekaterina Khoroshich, também pegou dois anos pelo uso do mesmo tipo de substância. (Fonte: Estadão)

"Comecei a nadar em Piracicaba. Com 15 anos, fui para São Paulo treinar pelo Vasco da Gama. Fiquei dois anos, vim para Ribeirão Preto e comecei a melhorar meus resultados. Fui campeão brasileiro seis vezes, consegui ir para Copa do Mundo e fiquei em 4º lugar. Fui vice-campeão brasileiro absoluto no 100 Medley, além de recorde paulista e alguns recordes brasileiros. Treino todos os dias de segunda a sábado, e quando estamos em fase intensa de treinamento chego a treinar de cinco ou seis horas por dia. Minha vida é muito regrada. Não posso sair muito, durmo cedo, me alimento bem. Não acho certo o uso de dopping. Em minha opinião, deveriam existir competições justas. Sei que muita gente usa, tanto no nível brasileiro quanto no mundial. Dizem que quem não faz uso de dopping nunca subirá ao podium, mas não acho certo. Os atletas deveriam dar tudo de si nos treinamentos sem precisar recorrer a esses artifícios. Hoje é muito difícil você ver um atleta de alto nível não fazer uso de dopping". Renan Rossin, nadador.
Renan Rossin - nadador

"Não sei se é impossível chegar ao podium sem fazer uso do dopping, mas tudo nos leva a crer que a realidade de um podium olímpico é bem distante da nossa realidade. As tecnologias de diversas áreas são muito avançadas para aquilo que a sociedade tem disponível, até mesmo o dopping. O dopping que se tem disponível no mercado é um dopping barato, de 1970. Hoje em dia, acredito que as coisas estejam bastante avançadas. Na verdade, o dopping está sempre na frente do antidoping. Isso sempre existiu e sempre vai existir. Em minha opinião, o exame que se faz, é uma forma de tentar coibir o uso desenfreado e desordenado disso. Acredito que existem atletas que conseguem chegar ao podium sem fazer uso do dopping, mas é quase impossível. Tudo é dopping, na verdade. O sono, a comida, um suplemento, tudo que você faz para se recuperar é anabolizante. O que acelera o processo são os esteróides anabolizantes. Esses são ilegais e podem causar problemas de saúde, irreparáveis até". Marcelo Monterosso Teixeira - Treinador de Natação da UNAERP/SME


Marcelo Monterosso Teixeira

"Já faz 11 anos que treino na equipe de natação. Venho evoluindo muito, já participei de campeonatos fora do Brasil. Já participei do Sul- Americano no Chile, na Copa Latina na Argentina. Fui campeã brasileira na categoria desde infantil até Junior II e de tantas outras competições. Nunca passei por um exame de dopping, mas já vi como é feito. Quando o atleta é chamado, ele não pode recusar a realizar o exame, pois fica subentendido que ele faz uso. O atleta é acompanhado até o banheiro. Lá, ele fica nu do peito para baixo e dividem-se duas amostras de urina coletadas no pelo próprio atleta, que é responsável por essa coleta. Coloca-se a urina em potinhos lacrados dentro de uma bolsinha, que também é lacrada. Depois, o atleta assina um papel, e esta bolsinha é levada para ser feito o exame. Tem de ser feito o exame mesmo, porque é desleal competir com pessoas que usam certas substâncias para ajudar no desempenho. Isso é trapacear no esporte. É preciso ser justo e correto" Taiane Carnot Moda, nadadora, 21 anos

Taiane Carnot Moda

Os agentes utilizados normalmente são os estimulantes: analgésicos narcóticos, os anabolizantes, os diuréticos e os hormônios peptídicos. Sendo os mais comumente utilizados e conhecidos, os agentes anabolizantes, que são compostos derivados de um hormônio masculino, a testosterona. Quando administrados no organismo agem aumentando o tamanho dos músculos. Os efeitos são diversos, dependendo do agente e da função; ou seja, do que o atleta está pretendendo melhorar. Por exemplo, aumentar a excitação utilizando estimulantes que agem como a adrenalina, diminuir a dor através de morfina ou substâncias análogas. Os diuréticos que aumentam a formação e a excreção da urina, com intuito de provocar perda de peso principalmente em competições que são classificadas pelo mesmo, como boxe, judô, etc. Outras substâncias muito utilizadas são os hormônios peptídicos e análogos que atuam no organismo de modo a acelerar o crescimento corporal e diminuir a sensação de dor. A gonadotrofina coriônica humana, o hormônio do crescimento, o hormônio adrenocorticotrófico e a eritropoetina são alguns exemplos. O controle do dopping pode ser realizado pelo exame do sangue ou da urina, imediatamente após o término de uma competição para os atletas, podendo também ser feito a qualquer momento da vida, durante um treinamento, em sua residência e até mesmo algum tempo antes ou depois de uma prova. A realização deve ser feita por laboratório credenciado pelo órgão competente".

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